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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Candomblé não é magia negra

Por Wagner Ribeiro



Com os recentes e monstruosos casos das crianças que tiveram seus corpos perfurados por agulhas, uma enxurrada de críticas e acusações tem sido feitas ao candomblé, como se o candomblé – ou os orixás – fossem responsáveis pelo claro grau de demência desses criminosos.

Gostaria de defender aqui o candomblé contra críticas que lhes têm sido feitas sem que a própria imprensa tenha o cuidado de ouvir os tradicionais e honestos zeladores de orixás espalhados pelo Brasil.

Ao passo em que a mídia se dispõe a noticiar que crianças foram vítimas de rituais de magia negra relacionados aos orixás do candomblé, cometem-se dois erros crassos. Primeiro, não existe ritual de magia negra dentro do candomblé. Segundo, esta informação vem da mente débil de criminosos, incapazes de saber o que é o candomblé, e aqueles que podem esclarecer o fato não são procurados.

O resultado desse tratamento equivocado da notícia é conceder espaço aos fomentadores de discursos racistas, levando pessoas de visão estreita a crer em inverdades. O sociólogo Pierre Bourdieu afirma a necessidade de lutar para que a mídia, a qual poderia ter se tornado um extraordinário instrumento de democracia direta, não se converta em instrumento de opressão simbólica.

É justamente sob essa opressão simbólica que o candomblé vem padecendo ao longo dos anos. As emissoras de TV dirigidas por evangélicos se deleitam em veicular um verdadeiro show de horrores com pessoas rosnando como cães e se dizendo incorporadas por Exú, ou seja, o demônio.

Ora, Exú não é o demônio. Ele foi o primeiro Ser criado por Olodumaré, nosso Deus supremo, equivalente ao Deus católico e evangélico. Por outro lado, Exú é o orixá mais próximo do Homem, encarregado de levar nossas preces a Deus.

No entanto, a principal crítica que nos fazem, como se sabe, é a de sacrificarmos animais. E daí? Toda religião tem suas formas de culto, suas regras e leis, que devem ser cumpridas. Perece-nos mais digno sacrificar animais e nos alimentarmos de suas carnes do que ser uma instituição religiosa detentora de uma riqueza incalculável, quando também é incalculável a quantidade de pessoas que ainda morrem de fome neste mundo.

Também nos parece mais humana a forma humilde de nos relacionarmos com o Sagrado, já que não utilizamos o Sagrado para granjear fundos e constituir astronômicas empresas de comunicação.

Eis aí uma guerra santa cujo objetivo final é capturar fiéis. E desta guerra jamais participaremos. Nosso compromisso é com a paz e com o bem estar humano, em harmonia com as forças da natureza.

Mas o candomblé também carrega a opressão simbólica de ser uma religião de negros. E não corro risco de cair em lugar-comum ao falar sobre o preconceito contra negros. O que existe na sociedade hoje é uma fina camada de verniz sob o bonito título de tolerância.

Esta expressão, tolerância, parece-nos um subterfúgio empregado a fim de encerrar uma discussão que ameaça azedar. Sugere a aceitação de algo fora das regras de uma sociedade hipócrita, cujas mentes continuam colonizadas pela suposta supremacia européia. Dito isto, podemos começar a extrair uma idéia de cultura que é, antes de tudo, um protesto.

Para dizer o óbvio, o brasileiro não sabe quem ele é. Essa falta de identidade é gerada pelo simples fato de não se aceitar a miscigenação cultural. Agarra-se a descendências mais prováveis, como a italiana, espanhola, portuguesa, colocando em plano inferior a brasilidade.

Esta descendência, isoladamente, não quer dizer nada, pois foi a cultura brasileira que impregnou cada indivíduo até a alma. Logo, se o negro é elementar na construção social e cultural do Brasil, todo brasileiro possui também uma negritude.

E o candomblé nada mais é que um fruto da cultura africana que se modificou, tornando-se, talvez, a primeira religião genuinamente brasileira. Por isso é preciso observar o candomblé sem preconceito, como parte integrante de uma brasilidade, a qual deve ser cultivada e preservada.
Não é preciso ser candomblecista, mas é preciso ouvir o que temos a dizer, em vez de nos rechaçar com acusações sem sentido e sem precedentes na verdadeira história do candomblé.