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sexta-feira, 13 de março de 2009

Notas sobre a estranheza do amor

É preciso registrar os atos e os fatos. A memória é traiçoeira. Deixo-as aqui enquanto estão frescas.

Em ordem cronológica, começo esse histórico de nós dois sem intenção de encontrar culpados ou inocentes. Fomos perfeitos. E perfeitos continuaremos nossas vidas, separadas. Durante a primeira vez em que estivemos juntos, eu sofri antes e depois, mas, é claro, sofri por conta própria.

Havia quatro meses que não nos víamos nem nos falávamos. Tomei coragem e liguei para você, que atendeu com a voz serena. Fiquei feliz. Então, fui convidado a ir à sua casa, aceitei. Ao entrar, encontrei-o deitado na cama, que fora nossa. Sobre ela tivemos noites em chamas.

Seus olhos estavam brilhantes como nunca. Conversamos sobre o passado. Sem nos dar conta, acertamos antigos erros numa cerimônia inconsciente. Ao tomar consciência, questionei-o sobre o que acontecia? Estávamos numa tentativa de dar continuidade àquilo que havia sido interrompido por motivos claros: seu amor por mim perdera a força, não resistira aos constantes vendavais que nos castigava.

Tentei resistir à situação e não consegui. Tirei a roupa. Só de cuecas, deitei em sua cama, que foi nossa, e depois foi sua e de outros. Por um instante, pensei em quem, em quantos, haviam se deitado ali, antes, durante e depois de mim. Recusei-me a continuar imaginando, era inútil.

Deitei-me. Você me abraçou pelas costas e pude sentir o carinho com a mesma intensidade e valor de antes. Nossos dedos se entrelaçaram; os meus, curtos, brancos e com pêlos nas falanges; os seus, negros, compridos e lisos. Então, você sussurrou em meus ouvidos: "como combinam, não é?". Respondi: "sim".

Ficamos juntos. Novamente nos precipitamos em nossos planos de felicidade eterna. Falei em comprar uma casa, você falou em apartamento; concordei, como era de seu gosto, para mim não fazia diferença. Houve também os planos de casamento. Casamento entre dois homens, coisa ainda exótica e de difícil compreensão pela bestial sociedade.

Logo chegou seu aniversário, foi mágico. Trancamos-nos dentro de casa, fizemos amor, depois houve a comemoração no bar que tocava samba. Aceitei ir. Aceitaria tudo para estar ao seu lado. No regresso, novamente nos trancamos em nosso mundo. Nunca ninguém foi tão de ninguém como eu fui seu e você foi meu. Senti-me salvo. Perdoado por erros do passado. Erros, que sei, não cometi desta vez.

Poucos dias depois, fomos ao shopping comprar nossas alianças. Mandamos gravar nossos nomes, como se fosse um contrato de posse datado e assinado, cujo nome do dono, o escravo carrega colado à pele. Num ritual rápido e sigiloso selamos nosso amor, nosso compromisso.

Você estava meu. Em seguida, vieram as crises de ciúmes, em várias formas. A princípio, eu as compreendi, resignei-me de suas alucinações, ao passo que também sabia das minhas próprias. Esforcei-me para manter a neutralidade. Mas os excessos são desgastantes.

Aí soube que você estava mexendo em minha carteira, meu celular, minhas coisas, em busca de provas para crimes não cometidos. Fingi não saber de nada. Talvez, tenha sido um erro fatal. Devíamos ter sido honestos.

Começamos a nos afastar. Percebi que você me afastava de seus amigos. Refleti sobre seus motivos. Encontrei vários. Não sei se verdadeiros ou falsos. Mas de um deles tenho certeza: eu não rodo na mesma roda que eles, isso lhe envergonhava. "Isso" quer dizer: sou quadrado, embora tenhamos a mesma idade, eu já estou ultrapassado.

Seguiu-se a semana derradeira. Nunca houve silêncio tão petrificado entre nós quanto esse dos dois últimos dias. Foi então que tomamos a decisão em comum acordo: estava decretado, pela segunda vez, o fim do nosso relacionamento. Mas não do nosso amor. No escuro, chorei sozinho com você ao lado.

Suas mãos passearam entre meus cabelos, depois nossos dedos se entrelaçaram. Apertamos forte para confirmar a decisão. Não tirei a aliança na sua frente, seria doloroso, mais para mim do que para você. Para ser franco, ainda não tive coragem de tirá-la; por enquanto, sinto-me sua propriedade.

Depois falei com minha mãe. Ela me consolou, mesmo que eu não precisasse de consolo. Por fim, perguntou-me o que estava sentindo, respondi sem vontade: "Nada".

No código deste meu nada estava implícito o significante desmedido: amor. Eu o amo, sei que você também me ama; mas, talvez, nunca conseguiremos ter uma vida em comum ou um comum teto que nos proteja do mundo.
E, por toda a vida, você tomou minha vida.
Wagner Ribeiro